Foto: Ibraheem Abu Mustafa/ReutersREUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
A violência é uma cicatriz que o tempo não apaga, apenas atenua. Lembro-me das duas vezes em que fui assaltado em Fortaleza, revividas agora ao ler o relato da professora Fernanda Leal. Na primeira, dentro de uma locadora, a arma apontada, o chute nas costas, o tiro que ecoou a centímetros da minha cabeça. Na segunda, dentro de um ônibus, o cano frio do revólver pressionando meu abdômen. Anos se passaram, mas o corpo ainda guarda a memória do medo. Superei o trauma ao enfrentá-lo, disparando um revólver em um clube de tiro, com um instrutor ao lad, eu com dificuldade para segurar a arma, imagine acionar o gatilho e depois conseguir fazê-lo por mais vezes, até que o pavor virasse apenas lembrança. Mas quantos carregam essas marcas sem jamais se libertarem?
A violência nos reduz à nossa fragilidade. Humilha, paralisa, rouba mais que objetos — rouba a sensação de segurança. E, no entanto, sei que minha experiência é ínfima perto do que outros sofreram e sofrem: as vítimas da ditadura, torturadas até o delírio ou a morte; as crianças de Gaza, esmagadas sob os escombros de uma guerra sem fim. Se meu trauma foi um rio, o deles é um oceano de dor. E isso revela uma verdade cruel: a violência é uma linguagem universal, mas sua escala define quem somos como humanidade.
Precisamos de mais que leis — precisamos de um código moral que una povos, que transcenda a Declaração dos Direitos Humanos, ainda tão violada. Um pacto que não apenas condene a barbárie, mas que a impeça de renascer. Porque a violência não é só física: é a fome que corrói, a desigualdade que esmaga, a indiferença que normaliza o sofrimento alheio.
A paz não será um acaso histórico, mas uma construção diária. Começa com a recusa à naturalização da crueldade, com a empatia que nos faz enxergar no outro um igual. Se meu trauma me ensinou algo, foi que o medo pode ser vencido, mas a injustiça só se dissolve com ação.
Não basta lamentar. É preciso exigir um mundo onde nenhuma criança precise temer bombas, onde nenhum jovem seja reduzido à escolha entre a arma e a fome. O futuro não será melhor por acidente — será porque o construímos assim. E isso começa hoje, na recusa ao silêncio, na coragem de transformar indignação em movimento. A humanidade já sangrou demais. Proteste! Reclame! Grite! Chega!